Não me sinto confortável perante uma mulher de burka.
Não por desrespeito, nem por preconceito, mas porque o símbolo me fere e, confesso, me provoca algum medo.
Desperta em mim a imagem da mulher silenciada, apagada, escondida.
É possível que nem todas as que a usam o façam por imposição. Muitas aprenderam e foram moldadas pela sua cultura.
Todos somos, de algum modo.
Mas o que sinto é isto: um desconforto visceral.
Recentemente, foi aprovada uma lei que proíbe o uso da burka em Portugal.
Senti-me agradada. E, ao mesmo tempo, culpada.
Agradada por ver um país afirmar a igualdade de género e a dignidade feminina. Culpada, porque percebo que essa proibição pode significar, para algumas mulheres, uma limitação da sua liberdade individual.
Carrego, portanto, uma tensão interna: entre o valor da liberdade e o valor da proteção.
Entre a compaixão e a justiça.
Entre o respeito pela diversidade e o desejo de não ver mais rostos femininos apagados em nome de Deus, da honra ou da tradição.
É-me difícil falar deste tema, porque há uma tendência para extremar discursos, ou se é contra, ou se é a favor.
É difícil falar numa sociedade assim.
A culpa, neste caso, é para mim um sinal de consciência ética.
Mostra que vemos mais do que um lado da história.
Há quem critique o próprio debate, dizendo que é “ridículo” discutir a burka quando há problemas mais graves: a habitação, a saúde, a educação.
Ou que “até parece que vemos muitas mulheres de burka”.
É verdade, não vemos muitas, mas possivelmente veremos cada vez mais, tendo em conta a taxa de imigração e tendo em conta o que está a acontecer em outros países europeus.
Essa crítica, contudo, não me convence.
Lembra-me o que oiço quando faço ativismo pelos animais e alguém me diz:
“Com tanta gente a sofrer, e estás preocupada com cães e gatos?”
Como se a empatia fosse um recurso finito.
Como se só pudéssemos cuidar de um tema de cada vez.
Acredito no contrário: uma sociedade verdadeiramente estruturada é aquela que consegue olhar para o humano, o animal, a Natureza e o simbólico ao mesmo tempo.
Cuidar de um aspeto da dignidade não rouba energia aos outros, amplia-a.
A burka, para mim, é mais do que uma peça de roupa.
É um espelho de como cada cultura lida com o corpo, com o poder e com o feminino. Talvez represente, em simultâneo, fé, pertença e medo.
E talvez me incomode precisamente por isso: porque sei o que é viver num mundo que tenta definir o que é aceitável ou puro no corpo de uma mulher, mesmo fora do Islão.
Não quero impor a minha verdade.
Mas também não quero fingir que não sinto o que sinto.
Prefiro habitar esta tensão – entre o respeito e o desconforto – do que alinhar num discurso simplista. É num território ambíguo, onde os valores colidem, que a consciência moral se expande.
(Image credit: Getty Images de um artigo The week 8 de Março 2021)

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